A cidade de Estreito, no Maranhão, já tinha problemas bastante sérios antes de se transformar na cidade-base para a construção de uma nova usina hidrelétrica na divisa do Tocantins com o Maranhão que deve atingir até doze cidades, povos indígenas, ribeirinhos, posseiros, pequenos proprietários e outras pessoas que dependem do rio. A obra, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), deve terminar em outubro deste ano e já deixou cerca de três mil homens desempregados na região, além de ter provocado o aumento da violência e da prostituição em Estreito. "O problema é que a empresa, quando começou a obra, não se responsabilizou pela readequação da infraestrutura da cidade e diz que isso é função dos estados e dos municípios", aponta Cirineu da Rocha (foto) coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) da região. Ele concedeu entrevista à IHU On-Line por telefone.
Cirineu fala da situação atual do povo que vive próximo das obras da usina e aponta absurdos que estão ocorrendo. "O consórcio quer terminar a obra agora em outubro e, por isso, estão fazendo os reassentamento de qualquer jeito, colocando as pessoas em locais sem as condições mínimas para moradia", conta. Além disso, algumas famílias estão sendo deslocadas pela segunda vez, porque a primeira área onde foram colocadas também será alagada pela usina.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual a situação do povo que vive próximo à usina do Estreito?
Cirineu da Rocha - Estamos vivendo uma situação muito complicada e, em função disso, estamos tentando organizar os pescadores, proprietários, ocupantes para que construíssemos um espaço onde tivéssemos a oportunidade de apresentar nossas propostas. O pessoal da empresa que está construindo a Usina do Estreito não topou e indenizaram apenas somente quem é proprietário, ou seja, quem tem documento da sua terra, que chamamos de patrimonialistas. Desta forma, algumas categorias de atingidos por essa barragem não foram reconhecidas.
Cerca de 1150 famílias de pescadores, extrativistas, filhos de proprietários, ocupantes de fazendas e posseiros não foram indenizados. Esta é uma região com temporadas bem definidas de seca e de chuvas. Na época de seca, o rio baixa e as pessoas usufruem dele como praia e, com isso, há barqueiros que levam as pessoas até à praia e barraqueiros que vivem da venda de cerveja, peixe e outras coisas durante os meses de junho, julho e agosto. A empresa também não reconheceu essas categorias.
Além disso, alguns pequenos proprietários foram reassentados meio às pressas. Desta forma, o local onde eles estão instalados ainda é precário, sem infraestrutura, não tem energia, água, há dificuldade de acesso. Além disso, um outro grupo de pequenos proprietários pegou carta de crédito e gastou dinheiro, não conseguiu comprar outra terra. É essa a situação que estamos vivendo aqui.
IHU On-Line - Que cidades estão sendo atingidas por essa usina?
Cirineu da Rocha - São dez cidades do Tocantins e duas cidades do Maranhão, que é Estreito e Carolina. São quatro povos indígenas atingidos. Eles não estão dentro da área alagada, mas estão na área de influência e esses ambientes vão viver uma pressão tão grande que vão diminuir as plantações e os pescados. Existem várias categorias de atingidos, como os proprietários de terra, os posseiros, os extrativistas, os barqueiros e barraqueiros e muitos outros que são difíceis de classificar.
IHU On-Line - Muitos trabalhadores que vivem do rio não são considerados atingidos. Quem foi considerado atingido e quem foi excluído desse grupo?
Cirineu da Rocha - Nós mesmos já paramos a empresa três vezes. Ela, que fez o estudo de impacto ambiental da Usina de Estreito, é, na verdade, um departamento da Camargo Correa, uma das responsáveis pela obra. Num primeiro momento, os povos indígenas não foram reconhecidos e algumas cidades não estavam no impacto ambiental, mas seriam atingidos. Muitas questões fundamentais ficaram de fora do EIA-Rima.
Com isso, o Ministério Público entrou com uma ação e nós do MAB entramos com outra e, assim, a obra parou. Depois, o juiz da Justiça Federal da cidade de Imperatriz entrou com uma liminar e a obra parou de novo. Com um estudo de impacto mal feito, deixando várias questões ambientais e sociais de fora, muitas denúncias tem surgido e, com isso, conseguimos impedir o avanço da obra tantas vezes.
A empresa só considera atingidos aqueles que têm a propriedade e documento que comprove isso. Nós fizemos uma pesquisa, com base em dados levantados pelo Ministério da Pesca e pelo Incra, e vimos que em torno de 1500 famílias serão atingidas pela obra da usina.
IHU On-Line - Qual é a cidade base para a operação da construção? Como era essa cidade antes e como ela está agora?
Cirineu da Rocha - É Estreito, no Maranhão. A cidade era muito tranquila, pequena. A infraestrutura era muito ruim, assim como as ruas da cidade. Na obra, hoje, temos cerca de seis mil homens trabalhando diretamente, mais uns três mil à procura de emprego. A cidade está virando um caos. Não temos banco, não tem acesso a vários serviços públicos, nas escolas há turmas com 60 alunos na sala de aula. A violência e a prostituição aumentaram.
Fizeram uma pesquisa recentemente e perceberam que antes não havia prostíbulos, e hoje já há mais de cem, fora a prostituição que acontece no meio da rua. Houve toda uma mudança em função da chegada dessas pessoas, fazendo com que a violência aumentasse. O problema é que a empresa, quando começou a obra, não se responsabilizou pela readequação da infraestrutura da cidade e diz que isso é função dos estados e dos municípios.
IHU On-Line - O que ficou estabelecido antes da obra começar e não está sendo seguido pelo Consórcio Estreito Energia (Ceste)?
Cirineu da Rocha - O principal é o reassentamento dos que eram filhos de proprietários de terras ou de pequenos agricultores e posseiros. Além disso, como algumas comunidades não queriam carta de crédito, mas sim ser reassentados, o consórcio demorou muito para fazer isso. O consórcio quer terminar a obra agora em outubro e, por isso, estão fazendo os reassentamento de qualquer jeito, colocando as pessoas em locais sem as condições mínimas para moradia. As pessoas que moram na beira do rio já têm acesso à água, pesca, frutas. E agora eles estão indo para lugares sem água, sem luz, sem condições de deslocamento, onde não tem como plantar. Como algumas cidades urbanas terão até 60% de suas áreas atingidas, algumas famílias também tiveram que ser reassentadas, mas agora elas tiveram que mudar de lugar porque o primeiro local onde o consórcio organizou as moradias foi feito numa área que também vai ser alagada.
IHU On-Line - Estreito pode servir de exemplo para Belo Monte?
Cirineu da Rocha - É um exemplo sim. O pessoal da empresa de Estreito não dialoga, na conversa, simplesmente impõem. Além disso, eles têm um apoio muito forte da Casa Civil. Nós queríamos criar um Fórum de Negociação para que pudéssemos levar os problemas e dar os devidos encaminhamentos. O pessoal do Ibama criou o fórum com essa concepção. Então, o pessoal da Casa Civil veio e disse que não era assim que funcionava e não aceitou o fórum. É exatamente isso que está acontecendo em Belo Monte também.
Além disso, outra questão parecida são as várias ações civis públicas em andamento. Aqui em Estreito temos oito e dessas três já chegaram à decisão da Justiça do Maranhão dizendo que a obra deveria ser parada e os estudos refeitos. Os argumentos que estão sendo utilizados pela Advocacia Geral da União é que se a obra parar, o desenvolvimento do Brasil será prejudicado. E, para eles, o desenvolvimento do país está acima de qualquer coisa. Belo Monte também já tem várias ações civis públicas e o argumento do governo é o mesmo.
Nós, organizações e atingidos, entendemos que não temos mais saída e estamos tentando tornar a nossa luta pública. No dia 23 de agosto, iniciamos uma marcha que saiu de Araguaína-TO e segue até a obra com o objetivo de reivindicar que as famílias sejam respeitadas e os direitos garantidos. Se depois disso, ninguém do Governo ou da Casa Civil ou da empresa aparecer para dialogar, não sabemos mais o que podemos fazer.
Nota: As fotos são do momento em que Cirineu negocia com o gerente do CESTE, Isaac Cunha, ao fundo manifestantes aguardam resposta.
Entrevista: UNISINOS
Fotos: Carlos Leen
Nota: As fotos são do momento em que Cirineu negocia com o gerente do CESTE, Isaac Cunha, ao fundo manifestantes aguardam resposta.
Entrevista: UNISINOS
Fotos: Carlos Leen
5 comentários:
Nessa minha idas e vindas lendo blogs, parei aqui. Pra ler. Mas, também para lhe convidar a seguirmos pelos blogs. Para interagirmos mais.
Abrass
Sigamos aqui
http://josemariacostaescreveu.blogspot.com
Valeu pela visita Jose Maria
Olá, boa tarde! Me chamo Liberdade sou militante do Mab em Tocantins, o que tenho a comentar é que as usinas hidrelétricas significa para nós a retirada sistemática e todo tipo de violações de direitos seja eles econômicos, sociais, culturais e ambientais de milhares de famílias! Elas são arrancadas de suas terras de suas casas. Tornando-se vítimas de um duro e crescente processo de criminalização e de repressão, oficial ou mesmo disfarçada, para humilhar e escravizar as pessoas e torna-las mais miseravéis possivél tudo em nome do "PROGRESSO".
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