Hoje pela tarde estive em uma das atividades realizadas no auditório da Secretaria de Saúde que marcaram a passagem do Dia Nacional de Luta Antimanicomial. Na sua origem, esse movimento está ligado à Reforma Sanitária Brasileira da qual resultou a criação do Sistema Único de Saúde - (SUS); está ligado também à experiência de desinstitucionalização da Psiquiatria. Sobre este assunto conversei brevemente com a Professora da Ufma Priscila Coimbra, do Departamento de Enfermagem. Para minha grata surpresa o Prof-camarada Ed Wilson, havia feita uma entrevista muito esclarecedora, que agora repercuto, junto com imagens do evento, neste blog. Fotos de cima pra baixo: Foto 1 Profa Priscila e alunos; Foto 2 e 3 usuários participam da palestra sobre Reforma Psquiátrica e Luta Antimanicomial, com o ex-coordenador de Saúde Mental de Imperatriz, Leonardo, na foto 4 de azul, a direita.
O que é a luta antimanicomial e o que pretende?
Priscila - É um movimento nacional que luta por uma sociedade sem manicômios, que objetiva o cuidado a pessoas com transtorno mental em liberdade. E mais que isso, pretende que as pessoas possam se relacionar de outras formas, com alteridade, com abertura da sociedade, com alargamento da cultura, para que a loucura tenha outro lugar na sociedade, para que o louco tenha vez de falar e que sua voz seja ouvida, sem tutela, para além de um sintoma.
Quais são os fundamentos teóricos da corrente antimanicomial?
Priscila - A temática central gira em torno de duas premissas: por uma sociedade sem manicômios e a liberdade terapêutica. Questiona a univocalidade do discurso médico sobre a loucura, e o manicômio/hospício/hospital psiquiátrico como lugar e forma de tratamento sobre a loucura. Fundamenta-se na ideia de que a loucura foi capturada como doença e trancada no manicômio antes por uma questão ética do que por uma questão de saúde, por uma necessidade de ordenamento dos espaços da cidade, controle social. Sendo assim, a luta busca a multivocalidade sobre a questão da loucura, que falem os loucos, que a cultura e arte se alarguem e produzam vida, novas formas de subjetivação e que a cidade seja o lugar de tratar dos loucos, lugar de onde eles nunca deveriam ter sido excluídos.
A corrente antimanicomial encontra resistência em outros setores da Psiquiatria? Por quê?Priscila - Muito. A psiquiatria tradicional tem grande resistência a outras vozes e outros olhares sobre o fenômeno do adoecimento psíquico. A hegemonia médica é uma grande questão para a vida na atualidade, não à toa tem-se formas de viver tão medicalizadas e o ato médico como uma questão para o trabalho em equipe nos serviços de saúde. Mas é importante dizer que há psiquiatras e psiquiatras... Há setores na psiquiatria alternativos e porque não dizer revolucionários. Grandes expoentes da reforma psiquiátrica no mundo foram psiquiatras: Basaglia na Itália, Saraceno na América Latina, Amarante no Brasil. No Ministério da Saúde, anteriormente e agora os coordenadores da área são psiquiatras, Pedro Delgado e Roberto Tykanori.
Em que fase está a Reforma Psiquiátrica no Brasil?
Priscila - Este ano comemoramos 10 anos da lei da reforma psiquiátrica brasileira, Lei 10.216. Nesta primeira década houve fechamento de manicômios, redução do número de leitos psiquiátricos, abertura e expansão da rede de serviços substitutivos, como CAPS e Residências Terapêuticas, dentre outras ações. Em outras palavras, houve mudanças no modelo de atenção, do psiquiátrico ao psicossocial, com expansão da rede de serviços substitutivos, e inclusive maior financiamento para serviços psicossociais. Porém, tem-se uma grande batalha com o agenciamento social da loucura, a inclusão do louco na cidade, na vida cotidiana, para além dos serviços de saúde.
Qual a estrutura do Ministério da Saúde para o tratamento de pessoas com transtornos mentais?Priscila - Em nível nacional, no Ministério da Saúde há na Secretaria de Atenção a Saúde a Coordenação Nacional de Saúde Mental. O nível federal deve elaborar, orientar e garantir o cumprimento da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, formulada e pactuada nas Conferências de Saúde Mental (instância que reúne usuários, trabalhadores e gestores dos serviços, bem como representantes da sociedade civil) a última aconteceu ano passado. É nesse nível que são elaboradas as políticas, bem como as diretrizes, portarias e normas técnicas para funcionamento dos sistemas e serviços de saúde mental no país.
Nos municípios, qual o papel das prefeituras no tratamento às pessoas com transtornos mentais?
Priscila - O SUS é descentralizado e municipalizado, os sistemas e serviços de saúde, as ações de saúde acontecem no município. Na saúde mental ocorre dessa forma. Os serviços de saúde, quais- quer que sejam, hospitalares e comunitários, são de responsabilidade da gestão municipal.
Como está a situação em Imperatriz?
Priscila - Imperatriz tem uma rede de serviços interessante. Conta com serviços diversos: CAPS (centros de atenção psicossocial) de vários tipos, como um específico para crianças e adolescentes (CAPS ij), um específico para pessoas que fazem uso abuso de substâncias psicoativas (CAPS ad) e outro específico para adultos com transtornos mentais severos e persistentes (CAPS II). Porém faltam serviços que atendam de forma psicossocial aos usuários em seus momentos de crise, os CAPS III. Esta demanda tem sido atendida em serviço especializado, na modalidade hospitalar, com internações psiquiátricas, inclusive com pacientes com sucessivas re-internações e outros pacientes moradores da unidade. Este último fato nos remete a outra questão delicada, não há na cidade Residências Terapêuticas, lares abrigados para pessoas que perderam os laços e vínculos familiares.
Recentemente foi divulgada uma carta à sociedade de Imperatriz, criticando a postura da Prefeitura sobre o fechamento do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Renascer. Como a carta foi recebida e quais providências foram tomadas?
Priscila - A Carta buscou refletir sobre a luta antimanicomial tomando como foco a atual situação da rede de saúde mental na cidade, a partir de uma indagação: como comemorar a primeira década da política de saúde mental, o dia da luta antimanicomial, com o sistema e serviços funcionando com dificuldades?! Ela cumpriu o papel de dialogar com a sociedade sobre como tratamos os loucos e tem possibilitado o diálogo com vários atores sociais, desde estudantes e professores da UFMA, do curso de enfermagem e de outros cursos (que tem se interessado e aproximado da temática) a profissionais e gestores dos serviços, tanto do município quanto do estado, até a promotoria de saúde. Um bom indicador é que a promotoria de saúde fez recomendação, em diálogo com gestores municipais e estadual de saúde, para regularizar o sistema e serviços de saúde mental, e dentre eles cabe destacar que o CAPS II deverá regularizar a prestação de serviços aos usuários no dia 19 de maio, próxima quinta feira.
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