O companheiro Yuri Soares, do Centro Acadêmico de História da UNB, enviou-me o seguinte e-mail de uma novidade que merece repercussão neste blog: a valorização da cultura popular.
Universidade será a primeira no Brasil a ter uma disciplina baseada nos saberes tradicionais. Aulas devem começar no próximo semestre
Benki Pianko é um grande especialista brasileiro em reflorestamento. Maniwa Kamayurá conhece em detalhes as técnicas de construção indígena. Lucely Pio é capaz de identificar com precisão qualquer planta do cerrado. Mas o conhecimento de nenhum deles veio das salas de aula. Eles aprenderam o ofício com o avô, com a avó, com o pai, com a mãe. E passam sua sabedoria aos mais novos, aos filhos, aos netos. Agora, vão ensinar o que aprenderam também aos alunos da Universidade de Brasília.
Benki, Maniwa e Lucely serão professores de uma disciplina de módulo livre que deve ser inaugurada no próximo semestre: Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais. Benki, que é mestre do povo indígena Ashaninka, no Acre, Maniwa, pajé e representante dos povos indígenas do Alto Xingu e Lucely, mestre raizeira da Comunidade Quilombola do Cedro, em Goiás, vão passar adiante o conhecimento acumulado durante mais de um século nas comunidades onde cresceram e vivem até hoje. Benki e Maniwa são xamãs indígenas, líderes espirituais com funções e poderes ritualísticos. Lucely é mestre quilombola.
Além deles serão também professores da nova disciplina Otávionilson Nogueira dos Santos, que domina os métodos de fabricação de embarcações tradicionais maranheneses, e Biu Alexandre, mestre do Cavalo Marinho Estrela de Ouro de Condado, um dos tradicionais grupos folclóricos da Zona da Mata pernambucana, que reúne teatro, dança, música e poesia.
A criação da disciplina, que deve ter carga semanal de seis horas e depende ainda de aprovação do Decanato de Ensino de Graduação, faz parte de um projeto de introdução dos saberes tradicionais na universidade. Um modelo de universidade que Darcy Ribeiro sonhou.
O criador da UnB imaginava uma instituição moderna, que não fosse só fonte de criação científica, mas de encontro de culturas, de produção artística e cultural. “Queremos promover um diálogo, uma troca de conhecimentos", explica o professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia. "Os mestres que aqui estarão tem um modo de construir saberes que leva em conta não só o pensar, que é característico da cultura das universidades, mas também o fazer e o sentir”, completa o professor.
AVANÇO - O professor José Jorge destaca, no entanto, que a introdução dos saberes tradicionais não é uma negação da forma utilizada pelas universidades de produzir e transmitir conhecimento. “Pelo contrário. É uma soma. Sabemos coisas que os mestres tradicionais não sabem, assim como eles sabem muito do que não conhecemos. A universidade pode ser muito mais rica do que é”, acrescenta.
O diretor do Departamento de Antropologia, Luís Roberto, lembra que a criação de disciplinas de módulo livre, que permitem aos alunos contato com um conhecimento totalmente fora de sua área, foi um avanço. "E colocar os mestres frente a frente com os alunos e ao lado dos professores é uma proposta ainda mais radical, mas fundamental para ampliar horizontes", comenta.
Para Nina de Paula Laranjeira, diretora de Acompanhamento e Integração Acadêmica do Decanato de Ensino de Graduação, a iniciativa por si só já demostra uma mudança nos modos de pensar. "Precisamos superar o paradigma de que o conhecimento está limitado à comprovação científica", afirma.
TROCA DE SABERES - Para discutir a inserção dos saberes populares na academia, apresentar iniciativas semelhantes no Brasil e no exterior e apresentar a UnB aos novos professores, ocorre nesta terça e quarta-feira o Seminário Internacional Encontro de Saberes. Construído também com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o evento vai reunir mestres indígenas e de atividades folclóricas, professores brasileiros e de cinco países sulamericanos, além de representantes do governo federal.
Entre os palestrantes estão o reitor da Universidade Amawtay Wasi do Equador, Maria Mercedes Díaz, da Universidade de Catamarca na Argentina, Jaime Arocha, professor de Antropologia da Universidade Nacional da Colômbia, Carlos Callisaya, coordenador das Universidades Indígenas da Bolívia no Ministério da Educação boliviano e Maria Luísa Duarte Medina, que atua em projetos de inclusão dos saberes indígenas nas instituições de ensino superior do Paraguai. “A presença de cada um deles mostra que a inclusão dos saberes tradicionais na academia é um movimento cada vez mais forte”, afirma José Jorge, que é também coordenador dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, parceira da UnB na organização do encontro.
A forma de ministrar as aulas serão definida em oficinas que acontecem após o seminário, nos dias 15 e 16. Professores da UnB e especialistas convidados vão se reunir com os mestres para elaborar as bases pedagógicas e antropológicas da nova disciplina e definir o número de vagas em cada semestre. “O método de transmissão dos mestres tradicionais é completamente diferente do nosso. Então, precisamos ver como isso será”, explica o professor José Jorge. “A raizeira Lucily, por exemplo, deve ensinar caminhando pelo cerrado”, completa. Cada mestre passará duas semanas na UnB e será acompanhado por um professor na sala de aula. “A universidade pode ser mais rica do que é e para isso precisa fazer justiça à riqueza de saberes que existem no Brasil”, completa o professor José Jorge.
Fonte: Agência UNB.
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