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Por Jairo Gonzo Sade*
“É, esse sol já é do verão”, pensou consigo ao sentir com contentamento a quentura matinal arder suavemente em seu peito nu, meio avermelhado e com poucos pelos. Estava sentado em uma cadeira de plástico na calçada de sua casa, apenas de bermuda e havaianas. Segurava uma xícara de café e ouvia, por partes, uma matéria sobre o cultivo do maracujá no Globo Rural que vinha de sua televisão na sala de estar. Hora atentava-se a matéria, hora atentava-se a uma vizinha que varria sua calçada do outro lado da rua.
O sol ainda não esquentara muito e uma lufada de vento cortou o quarteirão, trazendo consigo uma embalagem verde de Ice Kiss que bolava no asfalto de forma que, em certos momentos daquela dança, flutuava baixo, rodopiava lentamente no ar para depois bolar novamente. Ele acompanhava, assoprando devagar seu café, todo o percurso da pequena embalagem que teve seu descanso na canela da velha que terminava de juntar a poeira no meio fio. Fixou a atenção na imagem de uma canela branca com um ponto verde e lhe pareceu uma tatuagem. Deu um pequeno sorriso com gracejo ao imaginar aquela senhora religiosa, viúva de respeito e rigidez no caráter usando uma tatuagem no tornozelo.
Esses pensamentos que o divertiam foram cortados pela freada brusca de uma moto que parou em sua frente. Deu três piscadas rápidas, como que se acordasse de um leve sonho e olhou para os dois homens encima da moto. O da garupa sacou a pistola e não houve tempo sequer dele pensar. Apenas ouviu dois estouros, sentiu duas brasas finas e viu dois buraquinhos em seu peito avermelhado. Levantou a cabeça e olhou a vizinha pasma, com a vassoura na mão e uma pazinha na outra. Baixou um pouco a vista e pôde ver, ainda, o ponto verde em sua canela branca. Levantou a vista para os dois homens, mas, só conseguiu ouvir um terceiro estouro que fez sua cabeça ser jogada para traz e voltar devagar até pender sobre o ombro esquerdo.
Jairo "Gonzo Sade" é escritor.
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