Nas últimas décadas, independentemente do país, os governos têm se caracterizado pelo medo ou a incapacidade de dizer a verdade a seus povos e eleitores. Talvez essa seja a maior de todas as corrupções que caracterizam o processo político no mundo. Por anos seguidos, os chefes de Estado e de governo têm evitado informar os limites do desenvolvimento baseado no crescimento econômico.
Por anos seguidos, os governantes esconderam que a crise financeira estava sendo construída, e que as medidas tomadas não passavam de pequenos ajustes, que jogavam a crise para adiante, sem enfrentá-la plenamente. Evitaram informar que o sistema financeiro estava adquirindo um poder supranacional desvinculado da realidade econômica. Para manter o incentivo ao crescimento, deixaram que os bancos alavancassem empréstimos muito além do que permite a saúde bancária; e que a especulação cruzasse as fronteiras nacionais, independentemente das decisões nacionais de política monetária e financeira. O resultado é a crise na sua dimensão atual, com os bancos quebrando, as economias nacionais falindo e o desemprego se transformando em catastrófica tragédia social.
Tiveram medo de informar que o crescimento econômico estava degradando a natureza além do limite possível. O resultado é que o crescimento da produção está provocando uma desarticulação do equilíbrio ecológico, com efeitos devastadores sobre o clima e todas suas consequências. Eles também não quiseram enfrentar os eleitores informando sobre a impossibilidade de manter os sistemas de bem-estar social nos níveis a que as populações foram se acostumando, nem atender a todas as reivindicações das diversas corporações que compõem a rede social.
Não quiseram informar que o mundo estava entrando em um novo modelo econômico baseado no conhecimento, e que não mais haveria emprego para os indivíduos, nem dinâmica para as economias se não houvesse redirecionamento de investimentos de outras áreas para a educação.
Em resumo, nenhum governo, por medo político ou por incapacidade de estadista, ou as duas coisas, quis deixar claro o esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico baseado no aumento constante do consumo graças à irresponsabilidade do sistema bancário. O resultado é a crise geral. Países incapazes de controlar suas finanças; a ecologia se desequilibrando; os governos incapazes de cumprir os compromissos com suas populações; jovens sem perspectiva de emprego; e idosos sem contar com as aposentadorias nos seus últimos anos de vida.
E, apesar da imensa dimensão da crise, os políticos no governo continuam a esconder a realidade e os da oposição continuam a insuflar medidas que agravarão o problema, para chegarem ao poder e continuarem adiando as soluções. Como vem ocorrendo nas eleições europeias dos últimos meses. Mas o momento exige que se explicite a impossibilidade de cumprir as promessas do progresso como sinônimo de aumento da produção material. E também a verdade de que a economia verde e o desenvolvimento sustentável serão apenas artifícios para não mudar a direção da marcha que a humanidade vem seguindo há diversas décadas ou até mesmo há um ou dois séculos.
Ao invés dos pequenos arranjos, o mundo precisa definir um novo propósito social: substituir o progresso identificado com o crescimento econômico pelo progresso da ampliação do bem-estar social, com o equilíbrio ecológico e controle sobre as finanças, tanto do ponto de vista das fronteiras quanto do ponto de vista do equilíbrio orçamentário. Para isso, será preciso que a política e os políticos, especialmente aqueles no governo, assumam compromisso com a verdade, eliminando a corrupção do discurso.
A presidente Dilma teria a chance de aproveitar a Conferência Rio+20 para atrair o mundo para uma reflexão sobre o compromisso com a verdade. Mas, aparentemente, o discurso do governo afirma exatamente o contrário: tenta iludir ao afirmar que o Brasil é a 6ª potência econômica do mundo, um país capaz de construir trem-bala, fazer a Copa do Mundo e as Olimpíadas, quando, na verdade, é incapaz de ser exemplo de um discurso honesto propondo uma reorientação de nosso futuro para um desenvolvimento humano, comprometido com o bem-estar social, com a natureza e com a humanidade, incluindo suas gerações futuras.
*Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
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